sexta-feira, 25 de julho de 2008

A morte da caneta.


A MORTE DA CANETA

A velha caneta, cansada de derramar o seu sangue, questionou o poeta:
- E agora, o que serás de mim? Para onde irei quando por completo meu sangue se extinguir? Será este o meu fim? Por que não me procuras mais? Acaso teu amor por mim se esgotou ou sentes pena de mim já que minha vida está por findar?
Perplexo com as angústias e desabafos da caneta, respondeu-lhe brandamente o poeta:
- Não, minha amada caneta, não deixei de amar-te! Também não temo perdê-la, pois sempre estarás comigo. O teu sangue nobre, o teu sangue azul, está impresso em meus papéis, e sempre que os leio, me deleito contigo. Estás eternizada em meus papéis, em meus versos e estórias, por isso, não tema extinguir-se deste frágil e efêmero tubo, pois viverás nos papéis. Ah! Quanto ao fato de não procurá-la, é devido à falta de inspiração. A muito as palavras não me procuram. Estou desolado. O elo que nos une, minha amada caneta, independe de nós, é algo autônomo que vem e vai conforme seu bel prazer. Mas hoje, veja só, estamos cá, eu e tu, na mais silenciosa solidão, a espera das palavras. Sabe, posso senti-las, estão cada vez mais próximas. Entretanto, és capaz de compreender o que isto significa?
- Sim. O meu fim, não é mesmo?
- Bom. É mais ou menos isso. Apenas viverás de outra forma, portanto, não penses no fim; acredito que serás mais feliz nesta nova forma de existir. Vamos! Deixes de queixar-se, de, talvez, injuriar a vida.
- Compreendo teu ponto de vista, mas hás de convir comigo: vai que um dia, sabe-se lá por quais motivos, venhas a entediar-se de mim, achar que teus textos não mais tenham o devido valor e, assim, num impulso de ira, de desalento, ou, seja lá o que for, termine por livrar-se de mim jogando-me fora ou queimando-me; isso é algo concreto e não apenas um vão temor, não achas? Então, como é que vou deixar de me preocupar se a todo tempo o mundo me ameaça?
- Puxa! Sua lucidez me impressiona! Deveras teu ponto de vista é pertinente. Tu bem sabes o quanto lhe amo, entretanto, sabes igualmente que sou humano, daí deriva o teu temor, pois, assim como todos os seres humanos eu sou inconstante e paradoxal. Apesar disso, é um grande erro nos determos com o futuro. Pense, de que lhe adianta sofrer por antecipação? O que lucras com esta conjectura? Viva o presente com intensidade. Estamos juntos neste momento e, ao invés de sermos felizes, regozijando-nos com o amor que nos une, estamos com as mentes povoadas de lúgubres idéias. A vida se dá aqui e agora. Já que estamos juntos, vamos fazer o possível para sermos felizes, vamos fazer amor, pois é esta a ponte que nos liga ao paraíso.
- Pois bem, amado poeta, eu sou tua. Faça amor comigo e juntos iremos parir um belo poema, quem sabe, o último e o mais belo. Toque-me mais uma vez com teus dedos suaves, desliza-me sobre este alvo leito, e dali não hei mais de levantar-me. Sempre estarei neste local, nua, sedenta, ávida, à sua espera. Mas venha com freqüência, pois não suportarei a ausência de teus ternos olhos fitando-me, e do suave tatear de teus dedos.
Naquele instante, a caneta fechou os olhos e, sorrindo, entregou-se ao poeta. Em seu íntimo ela flutuava. Não mais havia o peso da angústia. Seu coração estava leve, sereno. Sorvia gota a gota o prazer daquele momento, pois sabia, era o último. Logo, sua tinta, perdão, sua alma, estaria livre daquele corpo, ou melhor, tubo, que há aprisionava. Logo ela estaria eternizada na compilação de textos de seu amado Deus, o poeta. . Enfim, a caneta serrou os olhos e, num último sorriso, o tubo abandonou.E assim, sem dor, sem lágrimas, ela partiu. Deixou de ser caneta. Foi além; não mais uma simples caneta, mas um ser capaz de emocionar, de suscitar sentimentos, de despertar risos e dor, de emocionar. De certa forma, ela tornou-se parte do ser do poeta, pois era a alma dele que se desvelava naqueles versos misturando-se ao seu sangue. Ali, naquele alvo leito, não apenas ela vivia, mas parte do poeta ali estava. Assim, agora, ambos eram um, unidos pelo mesmo amor e pela mesma paixão: a poesia.

4 comentários:

Unknown disse...

oiee Sergio adorei este texto teu...
alias eu axo q fui uma das primeiras a ler este teu texto.
bjs te adoro muito

Anônimo disse...

Oii Sérgio!
Mas uma vez, parabéns pelos ótimos trabalhos!
Muito bons os seus textos, mesmo!
Tudo de bom pra você!!

Beijo!

Márcio Correa disse...

Um apólogo!!! Francamente você me surpreendeu. Grandes escritores (como Machado de Assis) escreveram apólogos!

Sérgio da Costa disse...

Aninha, Bruna e Márcio, muito obrigado pela leitura, elogios e comentários.
Um forte abraço!