sábado, 6 de dezembro de 2008

Reflexos da Morte



O meu maior opressor estava a minha frente, inerte, com os olhos pesados e lacrimejados... Olhava-me no fundo dos olhos, e isso me possibilitava penetrar no íntimo de sua alma... ele estava cônscio de que aquele seria o seu fim, mas estava resignado. Sabia das suas culpas, de todos os seus crimes. Sabia que não haveria volta, pois minhas expressões eram firmes e decididas, não havia sinal algum de hesitação. Tudo estava friamente calculado.
Com o punho direito cerrado, e cada vez mais contraindo os dedos contra o cabo de um punhal, preparava-me para golpeá-lo e, assim, livrar-me-ia duma vez por todas daquele terrível algoz que tantos dissabores me causou. Sim, por mais dolorido que fosse era mister levar adiante meu desvairado empreendimento. Pois ali estava o limiar de uma nova vida, a possibilidade de um recomeço. Para meu espanto, causava-me um sádico prazer ver aquele verme sem defesas, entregue a mercê da sorte... de uma sorte que o abandonara... Agora eu dava as cartas. Finalmente me rebelara e levava a termo o meu plano santo. Sim. Agora, finalmente, o velho homem ia morrer para dar lugar ao novo homem, livre das antigas amarras.
Abruptamente fechei os olhos e, num impulso de cólera, lancei-lhe um violento golpe na altura do coração. Reabri meus olhos... Minha mão estava encharcada de sangue. Virei-me para trás e observei uma linda moça correr ao meu encontro toda assustada. Com a respiração ofegante, perguntou:
- Por que quebrastes o espelho? Estás louco? Olhe para sua mão, está cortada... Venha comigo! Vamos procurar um pronto socorro...
Sorrindo parti. Mas antes de sair olhei uma última vez para trás, então fechei aquela porta e nunca mais a abri.

sábado, 26 de julho de 2008

E a paixão se fez fraternidade e habitou entre nós.


Sob a sombra da amizade escondiam-se as palavras,
Diziam o que diziam,
Expressavam o que não expressavam.

Só aquele que as lia,
Nas entrelinhas da exatidão,
Sabia que as palavras diziam
Muito mais que a simples exaltação.

Sob a sombra da amizade reprimiu-se o desejo,
Reduziram-se os gestos e toques
Ao frio formalismo do medo.


Ah! Quantos segredos!
Ah! Aquele maldito falso sossego!
Dissimulou a verdade, esvaziou o ensejo...

Pobre desejo!
Apenas a alma alimentou-se com as palavras...
Ao corpo restou ruminar cordiais toques, pois,
Sob a sombra da amizade reprimiu-se a paixão.

E assim sucederam-se os anos...
Banhados em lágrimas, reminiscências e lamentações...
E assim a paixão se fez fraternidade e habitou entre nós.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Verde vida, rubra sina.


VERDE VIDA, RUBRA SINA

Verde encanto naquela tarde surgiu;
Antigo pranto súbito se esvaiu.
Ah, que canto! Que pureza juvenil!

Quanta alegria num só dia,
Era pura magia... Sorria, corria...
Ela ia, percorria; ele a fitava, sua alma lia...

Quão bela era aquela flor em pleno desabrochar;
Quão pura sua alma, apesar da leve malícia no olhar.
Ah, quanto medo em perdê-la! Tão nova e tantos ventos querendo lha levar.

Tão perto, tangível, pele macia, lábios frementes;
Tão protegida, vigiada. Ah, quanto perigo por trás daquela alva redoma de vidro!
Quão esperto, pouco visível, diamante na mão, silenciosamente cortou o vidro...

Lentamente despiu o anjo de suas asas;
Ah! Aqueles seios! Como arfavam!
Já não mais tocava harpa, apenas suspirava.

O criminoso e a vítima nos meandros da luxuria se esbaldavam;
A taça transbordava, o mar se agitava, a união dos amantes periclitava...
O reduto que os abrigava, aberto estava, sem que soubessem uma sombra os acompanhava.

Ele galgava os ascendentes degraus do prazer;
O anjo flutuava; não mais era puro; conhecera a força da carne e em carne se convertera.
De refém tornou-se seqüestrador; lançou-o, com sua sedução, no labirinto da paixão.

Quanta perdição em notas cristalinas;
Errou o anjo ao cantar, pois abriu a porta para o usurpador roubar seus sonhos de menina.
Mas, o que houve? Não há pranto! Por que estais a sorrir, ó doce menina?

Descia o sol, subia a lua,
Lá estava a menina, completamente nua,
Sedenta, ávida, repleta de luxuria.

Mas, a união dos amantes periclitava;
O reduto que os abrigava, aberto estava;
Sem que soubessem uma sombra os acompanhava.

Há duas semanas encetaram o negro romance,
Sob a égide da lua, protetora dos amantes,
Entregaram-se um ao outro numa fusão de lágrimas, dor e prazer.

A sombra os cobria e sarcasticamente ria;
Trazia nas mãos uma lápide com um epitáfio que dizia:
Aqui jaz um amante, um pedófilo, um mártir da paixão que se apaixonou por quem não devia.

Na face do anjo dois riscos de lágrimas escorriam;
Débil estava ante tanto horror;
Sua tênue voz apenas sussurrou:

Não! Por favor... Deixes meu amor! Eu o amo! Ele não me estuprou!
Sim! Esqueças estas tolices: honra, lei, ódio, ira...
Deixem-nos tecer a nossa história, pois é cedo, não há aurora! Como achas que irei suportar tal memória?

Ah, aquela sombra maldita! Sobre eles pouco ficou. Sem os ouvir,
Levou consigo os seus sonhos e um pesadelo deixou;
Com um só golpe encerrou duas vidas:
Uma não mais respirou; a outra, desde então, apenas vegetou...
Quanto sangue espalhado! Pobre ser condenado à sentença capital!
Qual o seu crime? Os anos haviam avançado!

E agora, ó pai desolado?
Lavastes tua honra! Mas, será que por muito tempo continuarás velado? Não!
Será que valeu apena? Matastes um homem e desolastes a pequena!

Na terra o sangue inocente clamando por justiça;
No cárcere, um velho, a pagar por sua injustiça!
Nesta história só há perdedor! Dissipou-se uma vida, uma liberdade, e o sentido de um viver.

Que não se repita este pecado!
Que prevaleça o amor!
Ouçais, todos vós, este recado:

Não queirais impedir o amor.
Deixe-o florir! Pois o amor não se mata! Não se afugenta!
Quanto mais sufocado, privado do possuir, mais ele se expande levando a loucura o existir.

Não há coações, ameaças, castigos, que estremeçam ou afugentem o amor!
É ele, um colosso! Uma grande possessão de espíritos!
Está imune a exorcismos e flagelos! Quando se encarna, desce o céu, sobe o inferno; demônios e anjos se encontram e se amam no festim dos sentimentos, emoções e pecados.

Só o amor basta...
Eis o meu legado...
“Um dia o amor passou por mim, desde então eternamente passou” ( Sérgio Francisco Baptistella).

A morte da caneta.


A MORTE DA CANETA

A velha caneta, cansada de derramar o seu sangue, questionou o poeta:
- E agora, o que serás de mim? Para onde irei quando por completo meu sangue se extinguir? Será este o meu fim? Por que não me procuras mais? Acaso teu amor por mim se esgotou ou sentes pena de mim já que minha vida está por findar?
Perplexo com as angústias e desabafos da caneta, respondeu-lhe brandamente o poeta:
- Não, minha amada caneta, não deixei de amar-te! Também não temo perdê-la, pois sempre estarás comigo. O teu sangue nobre, o teu sangue azul, está impresso em meus papéis, e sempre que os leio, me deleito contigo. Estás eternizada em meus papéis, em meus versos e estórias, por isso, não tema extinguir-se deste frágil e efêmero tubo, pois viverás nos papéis. Ah! Quanto ao fato de não procurá-la, é devido à falta de inspiração. A muito as palavras não me procuram. Estou desolado. O elo que nos une, minha amada caneta, independe de nós, é algo autônomo que vem e vai conforme seu bel prazer. Mas hoje, veja só, estamos cá, eu e tu, na mais silenciosa solidão, a espera das palavras. Sabe, posso senti-las, estão cada vez mais próximas. Entretanto, és capaz de compreender o que isto significa?
- Sim. O meu fim, não é mesmo?
- Bom. É mais ou menos isso. Apenas viverás de outra forma, portanto, não penses no fim; acredito que serás mais feliz nesta nova forma de existir. Vamos! Deixes de queixar-se, de, talvez, injuriar a vida.
- Compreendo teu ponto de vista, mas hás de convir comigo: vai que um dia, sabe-se lá por quais motivos, venhas a entediar-se de mim, achar que teus textos não mais tenham o devido valor e, assim, num impulso de ira, de desalento, ou, seja lá o que for, termine por livrar-se de mim jogando-me fora ou queimando-me; isso é algo concreto e não apenas um vão temor, não achas? Então, como é que vou deixar de me preocupar se a todo tempo o mundo me ameaça?
- Puxa! Sua lucidez me impressiona! Deveras teu ponto de vista é pertinente. Tu bem sabes o quanto lhe amo, entretanto, sabes igualmente que sou humano, daí deriva o teu temor, pois, assim como todos os seres humanos eu sou inconstante e paradoxal. Apesar disso, é um grande erro nos determos com o futuro. Pense, de que lhe adianta sofrer por antecipação? O que lucras com esta conjectura? Viva o presente com intensidade. Estamos juntos neste momento e, ao invés de sermos felizes, regozijando-nos com o amor que nos une, estamos com as mentes povoadas de lúgubres idéias. A vida se dá aqui e agora. Já que estamos juntos, vamos fazer o possível para sermos felizes, vamos fazer amor, pois é esta a ponte que nos liga ao paraíso.
- Pois bem, amado poeta, eu sou tua. Faça amor comigo e juntos iremos parir um belo poema, quem sabe, o último e o mais belo. Toque-me mais uma vez com teus dedos suaves, desliza-me sobre este alvo leito, e dali não hei mais de levantar-me. Sempre estarei neste local, nua, sedenta, ávida, à sua espera. Mas venha com freqüência, pois não suportarei a ausência de teus ternos olhos fitando-me, e do suave tatear de teus dedos.
Naquele instante, a caneta fechou os olhos e, sorrindo, entregou-se ao poeta. Em seu íntimo ela flutuava. Não mais havia o peso da angústia. Seu coração estava leve, sereno. Sorvia gota a gota o prazer daquele momento, pois sabia, era o último. Logo, sua tinta, perdão, sua alma, estaria livre daquele corpo, ou melhor, tubo, que há aprisionava. Logo ela estaria eternizada na compilação de textos de seu amado Deus, o poeta. . Enfim, a caneta serrou os olhos e, num último sorriso, o tubo abandonou.E assim, sem dor, sem lágrimas, ela partiu. Deixou de ser caneta. Foi além; não mais uma simples caneta, mas um ser capaz de emocionar, de suscitar sentimentos, de despertar risos e dor, de emocionar. De certa forma, ela tornou-se parte do ser do poeta, pois era a alma dele que se desvelava naqueles versos misturando-se ao seu sangue. Ali, naquele alvo leito, não apenas ela vivia, mas parte do poeta ali estava. Assim, agora, ambos eram um, unidos pelo mesmo amor e pela mesma paixão: a poesia.